11/03/2011

O leitor, de Bernhard Schlink


   Aos quinze anos tive icterícia. A doença começou no Outono e acabou na Primavera. Quanto mais frio e escuro se tornava o ano velho, mais eu enfraquecia. Só melhorei com o novo ano. Janeiro foi um mês quente, e a minha mãe levou-me a cama para a varanda. Via o céu, o sol, as nuvens, e ouvia as crianças a brincarem no pátio. Em Fevereiro, num final de tarde, ouvi cantar um melro.
(…)
   [A mulher] Agarrou-me o braço e conduziu-me pela escura entrada do prédio para um pátio. Em cima havia estendais com roupas penduradas de janela a janela. No pátio havia madeira empilhada; numa oficina com a porta aberta chiava uma serra e voavam estilhas. Ao lado da porta do pátio havia uma torneira. A mulher abriu-a, lavou-me primeiro a mão e depois recolheu água na concha das mãos e atirou-a para o meu rosto. Enxuguei a cara com o lenço.
   - Leva o outro! – Ao lado da torneira estavam dois baldes, ela agarrou num e encheu-o. Peguei noutro e enchi-o, e depois segui-a pela entrada. A mulher balançou muito os braços, a água caiu de chapa no passeio e arrastou o vomitado para o esgoto. Tirou-me o balde da mão e atirou outra chapada de água sobre o passeio.
   Endireitou-se e viu que eu chorava. – Miúdo – disse, surpreendida -, miúdo. – Abraçou-me. Eu era pouco mais alto do que ela, senti os seus seios no meu peito, no aperto do abraço cheirei o meu mau hálito e o suor fresco dela e não soube o que fazer com os braços. Parei de chorar.
   Perguntou-me onde morava, deixou os baldes na entrada e levou-me a casa. Corria a meu lado, com a minha pasta da escola numa mão e a outra mão no meu braço. A Rua da Estação não é muito longe da Rua das Flores. Caminhava depressa, e com uma determinação que me tornou mais fácil acompanhá-la. Despediu-se diante da minha casa.
   Naquele mesmo dia, a minha mãe chamou o médico, que me diagnosticou icterícia. Num momento qualquer falei daquela mulher à minha mãe. Não acredito que de outra maneira a tivesse visitado. Mas para a minha mãe era natural que, logo que eu pudesse, iria comprar com o meu dinheiro um ramo de flores, apresentar-me e agradecer-lhe. Por isso, num dia do final de Fevereiro dirigi-me à Rua da Estação…

Excerto de O leitor, de Bernhard Schlink
Imagem - http://www.kultur-oa.de/ [consultado a 11 de Março de 2011]

2 comentários:

Unknown disse...

Foi difícil começar...

mas à medida que as páginas iam fluindo a emoção ganhou!!!!
Agora venha a discussão...

BMTV disse...

Saudosa Avelaneira,

esperemos que seja uma discussão rica e emotiva, como as páginas de "O leitor".

Ficamos contentes com a presença!

Até amanhã.