30/11/2011

ALVES REDOL, Testemunhos dos seus contemporâneos


ALVES REDOL, Testemunhos dos seus contemporâneos

Organ. Maria José Marinho e António Mota Redol; 541 p.
Ed. Caminho, Lisboa, outubro 2001

Alves Redol teve uma vida curta, pois faleceu com cinquenta e sete anos. Todavia, ela foi diversificada e intensa.
Este livro procura dar conta dessa diversidade, abordando vários temas, dispersos pelos depoimentos recolhidos: o enqua¬dramento social e político, em especial nas décadas de 30, 40 e 50, a família, a juventude, os companheiros e amigos, as mulheres, a atividade cultural, desportiva e política, a repressão e a censura. Ocupam lugar privilegiado a atividade li¬terária, a recolha de elementos para os seus livros junto das camadas mais desfavorecidas, o processo de criação literária integrada no Movimento Neorrealista, as personagens vivas dos seus romances, a colaboração em jornais e revistas, o cinema, o teatro, a literatura infantil, os romanceiros.
A divulgação da sua obra, o impacte sobre os leitores, as bibliotecas populares, as leituras coletivas, são outros aspetos abordados.
Referem-se os diferentes locais onde passou: Vila Franca de Xira, Luanda, Lisboa, Glória do Ribatejo, Lezíria Ribatejana, Douro, Freixial, Nazaré, Paris, Wroclaw. A sua atividade profissional é abordada em vários depoimentos, assim como a sua personalidade, a sua doença, a sua morte.
Eis uma abordagem, plural e variada, da rica e complexa biografia de Alves Redol, realizada pelos seus contemporâneos. (TEXTO DA CONTRACAPA)

ALVES REDOL – HORIZONTE REVELADO


NO MUSEU DO NEORREALISMO EM VILA FRANCA DE XIRA
Ed. Câmara Munic. Vila F. Xira, Museu do Neorrealismo, Assírio & Alvim, s/l, Out. 2011

É um belíssimo e valioso documentário sobre Alves Redol, um volume com 350 páginas, em que podemos encontrar, para além do inventário dos conteúdos expostos, muita e diversificada informação sobre este autor cujo centenário do nascimento se comemora este ano. Só pode ser adquirido no Museu, ao preço quase simbólico de 20€.

Alves Redol - Biografia


1911-1927

Nasce em Vila Franca de Xira, a 29 de Dezembro de 1911. Filho de António Redol da Cruz, comerciante, e de Inocência Alves Redol, frequenta o Colégio Arriaga, em Lisboa, onde conclui o curso comercial.
Espírito curioso, atrás do balcão da loja de seu pai tem oportunidade de se aperceber do mundo dos gaibéus, dos camponeses e dos pescadores da sua região.

1928-1937

No dia 5 de Abril de 1928 embarca no “Niassa” a caminho de Luanda. Arranja emprego ao fim de algum tempo, mas como o salário é curto, dá lições numa escola nocturna daquilo que aprendeu no seu curso secundário. Contudo, fica doente e isso obriga-o a regressar à Metrópole.
Empregado de escritório de profissão, começa por tomar parte muito activa na vida social da região do concelho de Vila Franca de Xira. Essa actividade dinamiza e mobiliza muita gente das classes trabalhadoras. Alves Redol profere e organiza conferências e palestras, atento e identificado com o Povo.
A sua primeira novela, “Drama na Selva”, é publicada em “O Notícias Ilustrado”, de Lisboa, em 5 de Junho de 1932. Outras novelas se seguem na mesma publicação. Passa a colaborar assiduamente no jornal vilafranquense “Mensagem do Ribatejo” onde dirige, em 1939, uma página literária. Em 1936 casa com Maria dos Santos Mota. Alves Redol colabora em jornais de relevo na vida nacional anti-Estado Novo, anti.salazarismo: “O Diabo”, “Sol Nascente”. Em 29 de Novembro de 1936 surge a sua primeira colaboração em “O Diabo”, o conto “Kangondo”, de ambiente africano. De seguida publica crónicas que indicam um estudioso identificado com os problemas sociais da sua região (a série “De Sol a Sol”, “As lezírias”, “Campinos”), dois artigos sobre o escritor brasileiro Amando Fontes, alguns poemas.
Nos anos trinta insere-se na luta antifascista clandestina.

1938-1945

Editado pelo autor, “Glória, uma Aldeia do Ribatejo”, é um estudo etnográfico onde as aptidões ficcionistas de Alves Redol mais uma vez se patenteiam. Neste estudo se revela o método que marcará toda a sua obra literária: a vivência e o reconhecimento profundo dos problemas, só atingido com o contacto estreito com os locais e grupos sociais sobre que se debruça. “Gaibéus” surge em 1939. Com este romance inicia Alves Redol o ciclo de ficção temática ribatejana de camponeses e pescadores da borda d’água. “Gaibéus”, “Marés”, “Avieiros”, “Fanga”.
Escritor empenhado na luta pela melhoria independente das classes trabalhadoras, é preso em 12 de Maio de 1944. , debaixo de uma última ameaça, que chega a concretizar-se: nem um lápis nem um papel para escrever, como se quisessem tratá-lo como um novo Robinson Crusoé no centro de uma sociedade fascizante: exprimir-se, ele, Alves Redol, traçando os seus pensamentos com as ulhas nas paredes das celas. Reclamam-no, em 10 de Novembro de 1945, para a Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática (M.U.D.). Participa activamente nas campanhas da oposição democrática aquando da realização de “eleições” promovidas pelo regime. Na sequência da apreensão de exemplares dos seus livros (entre os seus papéis foi encontrado um documento comprovativo da apreensão de “Gaibéus” em Tomar em Maio de 1940), das pressões exercidas sobre os editores, é obrigado pela entidade censória a submeter os originais a censura prévia, sendo, ao que se sabe, o único escritor português a sofrer essa situação humilhante durante o período de alguns anos.

1946-1963

“Maria Emília” é a sua primeira obra de teatro. Segue-se “Forja” em 1948. Nomeado em 1947 Secretário-Geral da Secção Portuguesa do Pen Club – associação internacional de escritores – segue no ano seguinte para Wroclaw, na Polónia, integrado na Delegação Portuguesa que intervem no Congresso dos Intelectuais para a Paz, onde fala em nome da Delegação. É continuamente vigiado pela PIDE, nomeadamente na volta das suas deslocações ao estrangeiro, por ser um escritor de grande impacte [o] popular e muito admirado pelos trabalhadores das fábricas e dos campos.
Pelo romance “Horizonte Cerrado” primeiro volume de uma trilogia sobre os vinhateiros do Douro, recebe, em 1950, o Prémio Ricardo Malheiros.
Escritor de importância internacional, traduzido, convive com artistas e escritores em França, na Polónia, em Espanha. É impedido de participar num Congresso de Escritores na América Latina. Também escreve para a infância e para a juventude, e um dos seus mais belos livros tem como protagonista Constantino, um pequeno amigo que ele vê crescer no Freixial, localidade onde passa largos períodos de repouso saudável e escreve algumas das suas obras.
Em 1961 publica o que é considerado pela crítica o seu melhor romance: “Barranco de Cegos”. Inicia então, a sua actividade na publicidade. Em Outubro de 1963 é de novo preso.

1964-1969

Neste período, produz apenas um romance, mas introduz alterações formais importantes (e elabora significativos prefácios) nas obras reeditadas, escrevendo duas peças de teatro e os livros infantis da série “Maria Flor”.
Escritor que é do seu tempo e nele participa na dupla mas única qualidade de homem e escritor, Alves Redol pode servir de exemplo na procurada e singular condição humana de autodidatismo conseguido pela experiência, pela observação, pelo estudo, pela cultura, pela actividade sócio-política – que sempre procura transmitir aos outros e depois vaza nos seus livros, dos mais admiráveis na nossa literatura.
Morre novo, o grande escritor, a 29 de Novembro de 1969, no Hospital de Santa Maria, depois de muitos dias de padecimento.

O que o rio nos trouxe... Avieiros

15 de Dezembro (5ª feira) | 19h30
Casal do Gil de Baixo - Monte Redondo


Alves Redol e os “nómadas do rio” – uma leitura actualizada de Avieiros

Por Joaquim Moedas Duarte

«Em Avieiros Alves Redol (…) transporta-nos a um passado difícil nas margens do rio Tejo, nessa altura magnífico e belo. Ali a vida quotidiana dos ribatejanos gira em tomo do rio-vida, a que se encontram sujeitos de forma irremediável, que os arrasta no seu infortúnio e os exalta na sua bem-aventurança. Assim, o Tejo, terrível e generoso, é o responsável pelas suas alegrias, pela sua recompensa diária e pela sua riqueza, mas também pelo seu infor¬túnio e pobreza. Considerado um autêntico tratado sobre a lírica do rio e seus arredores, Avieiros fala-nos de um passado não tão remoto, contudo impossível de recuperar.» (do prefácio da edição de 2004, Mediasat)


Contamos com a sua inscrição!


Participação livre, até 20 participantes!

Contactos: IsabelRaminhos@cm-tvedras.pt ou 261 310 479


Atenção: A Biblioteca Municipal não garante transporte.
Será marcado um ponto de encontro em frente à Biblioteca Municipal para irmos em conjunto para o local das sessões.

29/11/2011

Registo fotográfico - sessão de Novembro

17 de Novembro
Casa do Ermitão - Serra de São Julião - Carvoeira



O exterior


Grupo I


Grupo II


Grupo III


Grupo IV


Grupo V


A obra


A dinamizadora, Filipa Barata

 
Momento musical I


Momento musical II

 
Créditos fotográficos de Joaquim Moedas Duarte e Carlos Andrade

16/11/2011

Os pescadores - excerto


(...) Como vivem estes homens? Agrupam-se no extremo sul da povoação. Roupas a secar, interiores que são pocilgas, casebres com uma porta e uma janela, e alguns só com uma porta e um postigo aberto na porta. Trapos, velhas redes, raias escaladas ao sol enfiadas num pau. Ao lado apodrecem barcos e estende-se o sargaço. As mulheres escorrem salmoura e por toda a parte há restos de sardinha e filharada. A vida pulula, a vida pródiga e incessante. Dentro dos casebres uma salinha com uma dependência, a camarata, onde dorme o casal, e o falso, para guardar o que ele tem de mais precioso, as redes. A caixa, alguns bancos. Debaixo da cama o berço dos filhos e panais velhos. A cozinha mete medo com caldeira de cozer a casca, o forno e os potes de ferro. De noite tudo isto é alumiado pela luz da graxa de peixe, que enfuma as paredes e cheira que tresanda.
Eis como vivem estes homens.
(...)

PORES DO SOL

Se eu fosse pintor, passava a minha vida a pintar o pôr do Sol à beira-mar. Fazia cem telas, todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espectáculo extraordinário. 
Há-os em farfalhos, com largas pinceladas verdes. Há-os trágicos, quando as nuvens tomam todo o horizonte mm um ar de ameaça, e outros doirados e verdes, com o crescente fino da Lua no alto e do lado oposto a montanha enegrecida e compacta. Tardes violetas, oeste ar tão carregado de salitre que toma a boca pegajosa e amarga, e o mar violeta e doirado a molhar a areia e os alicerces dos velhos fortes abandonados ...
Um poente desgrenhado, mm nuvens negras lá no fundo, e uma luz sinistra. Ventania. Estratos monstruosos correm do forte. Sobre o mar fica um laivo esquecido que bóia nas águas – e não quer morrer...

Há na areia uns charcos onde se reflecte o universo – o céu, a luz, o poente. Não bolem e a luz demora-se aí até ao anoitecer. E como o poente é oiro fundido sobre o mar inteiramente verde, que a noite vai empolgar não tarda, os charcos, entre a areia húmida e escura, teimam em guardar a luz concentrada e esquecida.

Em todo o dia, o mar não se viu nitidamente. Névoa esbranquiçada, grandes rolos de poeira e sol misturados, água de que se exala um hálito verde envolvido nas ondas. Por fim, o Sol desceu e um nevoeiro imprevisto entranhou poalha de oiro no mar esverdeado, fantasmagoria e sonho nesta frescura extraordinária.

Agora este, teatral, com largas gambiarradas, franjadas a oiro, acabado de pintar pelo cenógrafo para uma apoteose, e outro que não sei descrever, feito com muito pouco: quase desmaiado, um nada de luz no mar efémero, um nada de luz no céu efémero e a montanha roxa ao fundo prestes a desvanecer-se...

Agora é prata, daqui a pouco é oiro, e quando o Sol desaparecer de todo, ainda o horizonte fica por muito tempo iluminado. Oiro desvanecido e pó de água que ascende do mar. Um pouco de névoa e dois jactos projectados no céu – verde e oiro, oiro e verde.

Esta tarde, o Sol põe-se sobre uma barra e aparece deformado, entre grandes manchas de nuvens acobreadas. Some-se, e ressurge por fim como um grande balão de fogo num oceano revolto, até que entra numa grande nuvem espessa com interstícios de fogo e explode, iluminando o espaço e a água cor de chumbo.

Este faz sobressaltar e sonhar. Três horas da tarde. Céu limpo, mar manso, e sobre o mar uma chapada de prata, sobre o verde, mil escamas a cintilar, que brilham, luzem e tornam a reluzir. O Sol desce pouco e pouco, majestoso e sereno, no céu todo doirado e a luz forma uma estrada que liga o areal ao infinito, uma estrada larga, de oiro vivo, que começa a meus pés, na espuma ensanguentada, e chega ao Sol. Ó meu amor, não acredites na vida mesquinha, não duvides: dá-me a tua mão e vamos partir por essa estrada fora direitos ao céu!

O NEVOEIRO

Sol e azul e depois névoa. Às vezes começa em Agosto, outras em Setembro. Uma barra ao longe anuncia-a, uma barra que cresce em fumarada sobre a terra, ou que se dispersa correndo para o sul, em labaredas sobre o mar esverdeado. Há outras névoas no Verão que se descerram lentamente como cortinas, ficando o panorama límpido como uma aguarela acabada de pintar. Outras têm léguas de extensão e levam dias a passar. E o mar exala um cheiro mais vivo quando o nevoeiro parece dissolver-se, para logo voltar mais denso e compacto. Às vezes vê-se entre a neblina um ponto da costa cheio de luz, um rasgão no mar, uma única pedra iluminada entre o céu infinito e o mar infinito.

Tenho visto também umas névoas esbranquiçadas que ficam lá para muito fundo embebendo-se de luz. Névoa, um pouco de sol e brancura, tudo emborralhado. A onda vem de longe, irrompe da névoa, e só se vêem os grandes rolos brancos revolvidos de espuma muito ao perto quando se despedaçam.

Em Sagres assisti a um nevoeiro extraordinário. Aparecem primeiro uns flocos no céu, e a luz tomou-se logo mais azul, pegando azul à pele, molhando de azul as mãos estendidas. Depois a névoa, que no Verão dura segundos, doirou e subiu ao ar, tornando o horizonte mais ilimitado e fantasmagórico...

As névoas anunciam o Inverno. Começam a vir os nevoeiros compactos, que se metem pelas narinas e cheiram a mar e a fumo. Há-os que têm léguas de espessura e levam dias a passar, coortes desordenadas de fantasmas enchendo todo o horizonte. O sino tange. Não se vê palmo diante do nariz. Lá fora os barcos, como cegos, só se guiam pelo som. 0 mar é um misterioso fantasma que os envolve. Cerração cada vez mais mole e espessa... Só a voz se ouve, e o lamento parece vir de mais longe e de mais fundo. Às vezes adelgaça-se um pouco na costa, e grandes rolos de fumaceira crescem do mar sobre a terra. É o Inverno que vem aí. A voz imensa tem já plangências de dor – desabar infinito de lágrimas. De sul para o norte as nuvens correm sempre, coortes sobre coortes que saem das profundas e avançam, deslizam sobre as águas sem ruído, enchendo o céu de farrapos enormes, de fantasmas criados naquele mar salgado e que se seguem em tropel num galope monstruoso para uma grande batalha desconhecida. E de quando em quando o sino chama, chama sempre pelos homens perdidos na névoa espessa que leva dias a passar.

Raul Brandão - Os pescadores. Porto: Mabreu, 1986

Imagem: Lázaro Lozano - Pescadores

02/11/2011

Raúl Brandão - biografia


Prosador, ficcionista, dramaturgo e pintor, oriundo da Foz do Douro, no Porto, nasceu a 12 de março de 1867, mas viveu parte da sua vida em Lisboa, onde veio a falecer a 5 de dezembro de 1930. Descendente de homens do mar, a sua infância foi marcada pela paisagem física e humana da zona piscatória da Foz do Douro. Ainda no Porto, conviveu com os jovens escritores António de Oliveira, António Nobre e Justino de Montalvão com quem, em 1892, subscreveu o manifesto Nefelibatas. Iniciou a sua carreira literária em 1890 com Impressões e Paisagens. Frequentou o curso superior de Letras, mas ingressou na carreira militar. Colocado em Guimarães, retirou-se para a Casa do Alto, quinta próxima de Guimarães, local de produção da maior parte da sua obra literária, alternando o isolamento nortenho com estadias em Lisboa, onde desenvolveu paralelamente uma atividade jornalística, tendo colaborado em publicações como o Imparcial, Correio da Noite, Correio da Manhã e O Dia. Nestes últimos, é constante o seu debruçar sobre o terrível drama da condição humana, perpassado pelo sofrimento, a angústia, o mistério e a morte. São também constantes as referências aos ofendidos e humilhados, face visível da expressão humana que é um dos motivos mais regulares na sua obra.

(...)

Ler o restante artigo aqui
 
Raul Brandão. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-11-02].